Mulheres negras, mercado de trabalho e a (re)escrita de nossa história

A escrita da primeira frase em qualquer texto é sempre um desafio! É um primeiro movimento de quebra de silenciamentos que para nós, mulheres negras, foi, durante muito tempo, um lugar que nos queriam colocar. Tornar-se aquela que escreve, e não quem é objeto da escrita, implica sair desse lugar. Conforme nos lembra Grada Kilomba, ao escrever nos tornamos autoras, autoridades, de nossa própria história assumindo uma posição de (re)torno a nós mesmas. Talvez, por isso, parar para escrever como autora se torne um exercício tão difícil. É necessário realizar um retorno a nós mesmas, as nossas próprias histórias, para assumirmos um lugar de autoridade sobre nossas vidas.

Entretanto, esse retorno não é solitário. A escrita é um dos mais importantes movimentos que fazemos em direção a alguém. Quando escrevemos, também o fazemos em direção a uma “outra” pessoa que, na maioria das vezes, não sabemos quem é, o que deseja ou o que anseia ao se encontrar com o nosso texto. Por isso, é tão importante escrevermos. É a oportunidade que temos para afetar alguém não mais como objeto descrito, mas como autoras do retorno a nós mesmas. Deixamos o lugar de tema e construímos nossa condição de vida, conforme nos lembra Guerreiro Ramos. Por isso, a escrita adentra o medo, afirma Grada Kilomba. Escrever implica romper com processos históricos coletivos para que seja possível encontrar, de fato, quem somos.

mulheres negras têm produzido coletivamente para saírem da condição de tema e se tornarem autoridades na escrita de seus retornos às suas histórias

Em meio a toda essa situação que vivemos atualmente no país, ser convidada a escrever esse texto para a Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN) me colocou o desafio de pensar como e sobre o que escrever em meio a um contexto que, por diferentes estratégias, tem condicionado e potencializado lugares de silenciamentos para nossos corpos, nossas vidas. Para além de tema, temos nos tornados estatísticas de mortes nos últimos meses no país. Sabemos que somos milhares silenciados. Mas, não sabemos quem somos nesses milhares.

Por isso, se faz tão necessário passarmos a escrever. Para sobrevivermos, o caminho é nos tornarmos sujeitos de nossas histórias a partir de nossos próprios termos, nos coloca Grada Kilomba. Escrever em terceira pessoa nesse texto remete justamente a dimensão coletiva que esse caminho tem. Pensarmos nossas singularidades sempre nesse campo de possibilidades de ser que a escrita nos coloca como desafio. Assim como para contar e refletir sobre todas as histórias que serão produzidas aqui que versarão, enfaticamente, sobre o mercado de trabalho.

Nesse espaço, falaremos sobre estratégias e ações que mulheres negras têm produzido coletivamente para saírem da condição de tema e se tornarem autoridades na escrita de seus retornos às suas histórias. Para começar, convidamos você a conhecer as histórias das mulheres negras que fazem parte da Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN). São mulheres que a partir de seu trabalho cotidiano tem reescrito as discussões sobre o Direito no país e que você também poderá acompanhar, além dessa seção, na construção deste trabalho que está começando.

Bem vindas, bem vindos, a Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN). Esse primeiro texto de apresentação é um convite de retorno a prática da escrita. E que os próximos textos sejam campo de possibilidades de retornos e de autoridade sobre nossas próprias histórias.

Josiane Oliveira
Doutorado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Pós-doutorado em Administração pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV).
Profa. Adjunta da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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